Às vezes bem deixo andar o Tempo
mas ele não sai do lugar.
Fica a girar nas linhas da mão,
à espera de acreditar.
Às vezes o Tempo é vazio,
espreita e aguarda mas nunca se deita,
é uma guitarra sem a sua janela,
estrela apagada em lugar de uma vela.
Se pudesse olhar para ontem e ser amanhã
veria os teus dedos em mim.
Se pudesse acordar de olhos fechados
para tudo o que teve fim.
Às vezes anda demais, anda depressa
o Tempo que faz a sua promessa,
leva o teu nome com ele a fugir
corre e corre sem nunca sorrir.
Às vezes o Tempo devia calar-se
em silêncio estender o seu cobertor.
O Sol sobre a cama e tu em pijama
e eu entretido com o teu sabor.
Naquele tempo o Sol não fazia arder os olhos e as noites
eram como dias,
apenas envoltos em mantas para que nunca terminassem.
No cemitérios dos automóveis estendia-me no chão
e as estrelas fingiam tão bem a sua luz que sugeriam palavras
como “Sempre”.
Naquele tempo havia mais paredes em ruínas e no entanto
qualquer tecto era uma casa.
Deixei uma manhã que Deus partisse
levando o teu nome na sacola das cartas.
Recordo que não chovia nem fazia Sol,
apenas uma sombra por cima de tudo
cantava desafinada a mesma música
do “She Loves You”. O yeah yeah yeah
riscado e a pigarrear de tanta mentira
feria os ouvidos e eu já com os olhos fechados.
Apenas as mãos, agarradas para nada e o mundo.
Fugi dessa casa por construir
e hoje tenho os dedos amarelos de pensar porquê.
Fui sem querer.
Onde o vento era, aí estava eu em lugar algum,
como se fosse
ou conseguisses pensar-me, ver-me sem medo,
assim pendurado na varanda das noites.
Aos domingos perpassam, entre as paredes,
os avisos murmurados de avós mortas.
Querem-nos bem, não o duvido jamais...
Mas acordam-nos a fome no coração,
a memória de risos aninhados em mantas
e sopas de pão.
Aos domingos éramos ainda mais bons.
Beijava-lhe a face seca na igreja húmida
e o Senhor acompanhava-nos à porta de casa,
caminhava sobre as águas daqueles olhos claros
nesse tempo em que a paz nos rodeava
de silêncios raros.
Aos domingos regressam o cheiro da laca
e do pó de arroz, feitos aviso retornam
sem culpa nem dor. Antes pedem que seja feliz.
Pergunto-me então sobre o desvio do caminho
e é assim que agradeço, entre pecados e omissões,
não deixar-me sózinho.
Eis que o tempo se oculta nesses lábios onde os pássaros mordem.
Retenho deles uma palavra em surdina que permanece,
húmida e respirada, odorífica e doce.
Por dizer descansam as certezas.
Hoje foste sal em ervas frescas, o corpo entregue feito carta.
Respondi-te assim, com a calma dos loucos:
Virá em breve essa primeira tarde, inteira e ofuscante.
Nesse dia a nossa música antiga tocará. E eu em ti.
Markets fall all over
e eu sem fumar a minha cigarrilha.
That's all I care.
There's a blonde star fainting in the spotlight e o som dos talheres,
some tea on the other table &
a nice old couple
finishing dinner, with no words left for each other.
American fathers fathers
who lost their voices somewhere in the past
or whatever...You know...
Onde estás? O omnipresente piano deste hotel que é o mundo inteiro
desatina.
And there's no will for jazz
or flirting with the charming short waitress who aks if
"Is everything ok, sir"?
Só um jornal cor de salmão por companhia e tu algures,
distante fonte de alegria.
Eis-me acordado dentro de ti.
Num soneto de Rilke,
«entre os ínfimos rumores no capim
e o sabor da hortelã».
Ao longe, sobre a falésia e as mais altas ondas
volteiam as aves, luminosas como purpurinas.
Por que afloraram esses dedos os meus lábios,
na terna certeza que só partilham os amantes?
Assim regressámos, sem receio ou cuidado,
e nem tempo tive para guardar o corpo
em qualquer recanto onde pudesse menti-lo.
Agora regresso ao sono, a outras memórias acres,
preciosas, como trufas selvagens sob o chão.
Publicado em Janeiro de 2007 no blogue Prazeres Minúsculos e também neste livrinho aqui.
Dias de bronze.
Sons que pingam e sombras vermelhas.
Todos vivemos horas que nos atravessam
de tão ausentes, na inflexível soturnidade.
A poeira regressa.
Memórias nas suas mãos, fragmentos de riso
e beijos de chocolate em postais vindos de perto.
Palavras como "lembras-te" e "faz hoje anos que".
Avançar o tempo.
Acontecer o mistério e esse tempo parar
ou pelo menos ter o sabor de uma praia.
Dizer assim: "Agora fico aqui". E ser verdade.
O tempo encolhe-se na linhas de cor antiga,
Entre todos os gestos por levitar
um existe que aproxima do céu,
que eleva e queima na passagem
como fogueira de Junho.
Quando trocamos de tempo,
distendes os braços em forma de gato
e a luz reveste de mercúrio a tua pele,
com memórias futuras a semeia,
pão de Páscoa.
Então subo por ti adentro e vou.
Fresca é essa vida que celebras
em língua desconhecida,
solar a tarde que paira sobre a cidade
com anjos nos seus degraus.
O amor uma palavra pequena.
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