Terça-feira, 6 de Janeiro de 2009

O décimo terceiro dia (primeira parte)

 

 

 

Seis

O mundo continua a cair aos pedaços. Não há mais lojas para assaltar e as hordas atacam agora os trabalhadores que tentam passar para os seus empregos, os velhos que se aventuram até aos postos de racionamento, os poucos carros que ainda circulam nos bairros, até bombeiros e ambulâncias. A polícia já não tenta fazer nada: os agentes ficam impávidos, a ver a turba a escaqueirar tudo o que mexe. Muitos guardas juntaram-se ao saque. O presidente mobilizou o exército, mas há deserções. A loucura atingiu pessoas que eu julgava sensatas: vizinhos do meu prédio barricaram-se, armados, e não deixam ninguém aproximar-se. Ainda tenho televisão, entre os apagões de electricidade: diziam nas notícias que o motim se estendeu aos bairros ricos: não há mais elixir e isso é ainda pior do que não haver dinheiro (espatifaram as máquinas automáticas e incendiaram os bancos); é pior do que a água só correr nos canos durante alguns minutos (encho baldes, tento lavar-me, e pouco mais posso fazer). Um grande relógio soa na cabeça dos que tomavam a droga e que esperam um milagre ou a morte lenta. Este é o meu sexto dia sem elixir; mas sou afortunado, tinha em casa 14 comprimidos; portanto, o motim dura há 20 dias… Restam-me, talvez, cinco ou seis para viver… Já não tenho dinheiro, mesmo que voltem a vender o remédio; as minhas acções não valem nada, é cada um por si. O suicídio colectivo…

 

Sete

Todo o dia e toda a noite, houve tiroteios e correrias. Depois, o silêncio. Muita gente tentou fugir da cidade, mas restavam poucos carros intactos e da janela vi como as pessoas se bateram por eles. Roubaram-se umas às outras, há cadáveres no chão. Os sobreviventes partiram a pé, embora saibam que não têm para onde ir. As dores no meu corpo são insuportáveis e não me consigo mexer. Tenho de conseguir; não pela comida ou água, mas pelo elixir. Se não o tomar, morrerei em quatro ou cinco dias, talvez apenas três. Não sei onde possa encontrá-lo. Tudo isto aconteceu porque havia pessoas que o tomavam e a maioria não tinha dinheiro para isso. E, agora, ninguém tem dinheiro para isso. O mundo está em ruínas e não há nenhum sítio para onde ir.

(continua)

 

publicado por Luís Naves às 18:10

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